Nessa sequência aqui fica a tradução de uma entrevista que a patinadora concedeu à RT.
Link para original: https://russian.rt.com/sport/article/492281-medvedeva-intervyu-rt
Pergunta: A tua desistência dos campeonatos do mundo foi anunciada no início desta semana. Foi uma decisão difícil de tomar?
Evgenia - Qualquer desistência de uma competição é difícil seja em que altura for. Infelizmente esta não é a primeira competição que eu vou falhar esta temporada. E sim, é difícil. Vai ser ainda mais difícil estar sentada no sofá a ver a transmissão em directo de Milão. As pessoas devem entender que não é por eu estar cansada após os Jogos Olímpicos, é que o meu pé dói-me muito. Nestas condições eu estou fisicamente incapaz de patinar com toda a força. Eu nem sequer consigo treinar como deve ser. Eu submeti-me a um exame médico e o veredicto foi de dois meses para recuperação - ponto final.
Pergunta: O comunicado de imprensa diz: "para restringir o alto esforço específico no pé". Podes clarificar se vais parar de patinar completamente durante dois meses ou se apenas vais parar de saltar?
Evgenia - Eu não posso saltar. Eu posso patinar mas com calma.
Pergunta: Vais fazer alguns treinos durante estes dois meses? Parece que está toda a gente muito preocupada com isso...
Evgenia - De momento a coisa mais importante é curar a minha lesão antiga. Já se passaram seis meses, eu quero deixar isto para trás e esquecer tudo isto.
Pergunta: Quando começaste a sentir os sintomas, deves ter compreendido que terias de tomar uma decisão destas?
Evgenia - Ninguém sabia de nada com antecipação por isso é que adiámos a decisão até ao último momento. Nós tínhamos esperança de que não chegasse a este ponto. Mas só falta uma semana, eu não conseguiria ficar em forma para os mundiais mesmo se quisesse.
Pergunta: Mas tu estavas pronta para patinar com o pé enfaixado ou com analgésicos?
Evgenia - Eu estou sempre pronta para aguentar porque faz parte do desporto; é um axioma. Se não tiveres isso em ti, não vais conseguir resultados. Então se houver uma oportunidade e a minha condição permitir e se não prejudicar a minha carreira, que eu espero que dure por muitos anos, eu estou pronta para estes sacrifícios.
Pergunta: Quando a FFKR publicou estas notícias, a internet explodiu. De repente todos são especialistas, todos discutem por que é que ainda não tens os programas para a próxima temporada. Podes explicar ao público por que é que não tens um plano a longo prazo?
Evgenia - É simples. Os Jogos Olímpicos acabaram mas a temporada ainda não terminou. Os programas novos são criados no intervalo entre temporadas, quando todas as competições terminaram. Há muitos meses para criar, coreografar e aperfeiçoar os programas novos.
Pergunta: Tiveste a hipótese de fazer uma pausa depois dos Jogos Olímpicos? O que é que fizeste?
Evgenia - Eu tentei preencher a minha alma. Eu li livros, ouvi música nova, descarreguei muitos jogos novos para o meu telefone, tentei fazer coisas novas. Eu faço muitas coisas. Eu sinto que preciso de preencher o recipiente com coisas novas.
Pergunta: Quando estavas a viajar para PeyongChang provavelmente percebeste que quando regressasses o mundo estaria diferente. O país inteiro estava à espera que tu ou a Alina Zagitova vencesse o ouro, o primeiro ouro destes Jogos Olímpicos.
Evgenia - Eu penso que estávamos preparadas para isso. Aliás, devemos sempre perceber que hoje vivemos num mundo e amanhã vamos acordar num mundo diferente. É a vida, ela muda como imagens num ecrã.
Pergunta: Quando tu chegaste, tu foste directamente do aeroporto para a tua pista de gelo. Sentiste o apoio dos outros patinadores? Qual é o sentimento de ter toda uma nova geração a olhar para ti como modelo?
Evgenia - Eles manifestaram o seu apoio ao ficar na pista de gelo até tarde. Todos tinham os seus próprios planos, muitos tinham que estar na escola de manhã muito cedo. Muitos pais perguntaram aos filhos: "Se calhar devíamos ir para casa? Amanhã tens de levantar-te às seis da manhã." Mas as crianças responderam "Não, mãe, eu quero tirar uma foto com a Evgenia e com a Alina." Isto é o mais precioso. As crianças são o nosso maior público, elas são sinceras e não mentem.
Pergunta: O teu sucesso é a melhor publicidade para a escola? (Nota: referência à escola Sambo 70)
Evgenia - A patinagem artística está cada vez mais popular a cada ano. Eu penso que, se comparares com há cinco, não havia tanto hype.
Pergunta: As mudanças de regras que estão a ser discutidas, na sequência dos teus sucessos, podem estragar o interesse na patinagem artística?
Evgenia - O nosso desporto não é estático. Há sempre algo novo, a complexidade está sempre a aumentar e o número de rotações dos saltos está constantemente a crescer. Bastou ver os campeonatos do mundo de juniores para perceber isso. A patinagem artística está a fazer avanços enormes. Isso é bom, é como deve ser. Porque a humanidade evolui. E as regras vão sempre sofrer mudanças. E o que é que nós, os atletas, podemos fazer? Adaptarmo-nos às novas condições e continuar a lutar. Ninguém vai dizer "Estou fora" na primeira oportunidade. É o nosso desporto favorito e nós não vamos desistir. É ainda mais interessante desta forma, há um novo entusiasmo, nova motivação.
Pergunta: Então os dois quádruplos da Alexandra Trusova é o novo desafio que tu vais aceitar?
Evgenia - Claro. Eu não vou entrar em pânico, isso é inútil. O mais importante é sentar-me e analisar a situação. Há um facto que é o ponto de partida para começar a trabalhar. Resume-se a trabalho árduo, paciência e uma enorme vontade.
Pergunta: Foste elogiada até aos píncaros durante dois anos mas, desde que falhaste o ouro e depois do triunfo de Trusova, correm rumores de que vais desistir, deixar a Eteri Tutberidze e mudar de país. Eles arreliam-te?
Evgenia - Todos têm o direito à sua opinião. Nós vivemos num país livre, todos podem dar a sua opinião. Pessoalmente, eu penso que é melhor não colocar palavras na boca dos outros e não falar pelos outros se ainda não existir informação oficial. É melhor não começar a entrar em pânico e fazer estes vazamentos nas redes sociais.
Pergunta: Na tua opinião por que é que isso acontece?
Evgenia - Eu penso que as pessoas têm sentimentos muito fortes por mim; é a sua mensagem emocional. Eu estou muito grata pelo seu amor e atenção mas parece que algumas pessoas não conseguem entender a ideia de que eu amo o meu país e só o vou representar a ele.
Pergunta: Voltemos aos Jogos Olímpicos. Depois da competição de Senhoras tu disseste: "Acho que aconteceu da maneira que tinha que acontecer".
Evgenia - Eu sou aquela pessoa que tenta ver a situação com os olhos dos outros. Eu penso que mais tarde vamos compreender por que é que as fichas caíram da maneira que caíram.
Pergunta: Tu reviste o teu programa livre?
Evgenia - Sim.
Pergunta: Quantas vezes?
Evgenia - Uma.
Pergunta: Qual foi a tua impressão?
Evgenia - Quando eu estava a viajar para PeyongChang, o meu maior medo era de regressar a sentir remorsos, dúvidas, pensando que deveria ter patinado melhor os meus programas. Mas eu não tenho esses sentimentos e estou muito contente por poder dizer "Eu dei tudo de mim".
Pergunta: Então não sentes amargura por ti própria?
Evgenia - Porquê? Eu fiz tudo o que aprendi e coloquei a minha alma nisso.
Pergunta: Toda a gente viu as tuas lágrimas depois do programa livre e o teu abraço sentido à Alina depois das notas terem sido anunciadas mas há um momento que foi deixado de fora. A Eteri Tutberidze foi ter contigo, abraçou-te e começou a dizer-te qualquer coisa. Podes partilhar o que é que ela te disse?
Evgenia - Não, não posso.
Pergunta: Foram as palavras que querias ter ouvido naquele momento?
Evgenia - Acho que sim.
Pergunta: Mais tarde, na zona mista, tu disseste que o teu programa é muito básico e que tinhas de acrescentar mais dificuldade. Tu já sabes como fazer isso?
Evgenia - Eu gostaria de manter isso em segredo.
Pergunta: O que é que tu sentiste depois de vencer duas medalhas de prata?
Evgenia - Sabes, o ambiente em torno destes jogos foi muito estranho. Tudo podia acontecer. Então para mim a coisa mais importante foi continuar a trabalhar e depois deixar tudo no gelo, abrindo a minha alma e mostrar tudo o que podia. Eu só queria patinar.
Pergunta: Qual foi a parte mais memorável dos Jogos Olímpicos?
Evgenia - Depois da minha prestação eu ouvi as pessoas falar em russo. O público cantou "Zhenya* muito bem". Foi muito estranho porque estávamos na Coreia mas tudo o que eu ouvia era falar russo. (*Zhenya é o diminuitivo de Evgenia).
Pergunta: Houve algum momento em que estiveste quase a perder o ânimo por causa de todos os problemas políticos e escândalos que afectaram a equipa russa?
Evgenia - Eu tinha um objectivo e trabalhei para atingi-lo. Eu penso que o mesmo pode ser dito sobre qualquer um dos atletas da nossa equipa. Mas eu senti o apoio e pude concentrar-me na minha tarefa. É muito difícil trabalhar quando estás sempre a ouvir "A Rússia isto, a Rússia aquilo, a Rússia vai ser banida dos Jogos Olímpicos". Algumas vezes estava a ser muito difícil mas eu não vi televisão, não li as notícias, apenas me concentrei no meu trabalho e aqui está o resultado: duas medalhas de prata.
Evgenia - Eu tinha um objectivo e trabalhei para atingi-lo. Eu penso que o mesmo pode ser dito sobre qualquer um dos atletas da nossa equipa. Mas eu senti o apoio e pude concentrar-me na minha tarefa. É muito difícil trabalhar quando estás sempre a ouvir "A Rússia isto, a Rússia aquilo, a Rússia vai ser banida dos Jogos Olímpicos". Algumas vezes estava a ser muito difícil mas eu não vi televisão, não li as notícias, apenas me concentrei no meu trabalho e aqui está o resultado: duas medalhas de prata.
Pergunta: E as tuas colegas de equipa? Como é que elas lidaram com a pressão?
Evgenia - Para ser honesta eu não falei com elas sobre isso porque, um mês antes dos Jogos Olímpicos, eu concentrei-me completamente no meu trabalho. Eu só falei com os meus treinadores e com os meus pais.
Pergunta: Sentiste o apoio dos atletas dos outros países nos Jogos Olímpicos?
Evgenia - Sim, com certeza. Nós não nos vemos com muita assiduidade, então nós tentamos desfrutar de cada competição e nós falamos uns com os outros porque pode não haver outra oportunidade. É um sentimento maravilhoso quando os estrangeiros te apoiam.
Pergunta: Tu estavas à espera de marcar presença na cerimónia de encerramento com a bandeira da Rússia; como é que te sentiste sobre isso?
Evgenia - Eu decidi marcar presença na cerimónia porque pensei que talvez fosse a minha única oportunidade de participar num evento destes, apesar de, claro está, eu ter esperança de fazer parte da equipa em Pequim. (Nota: os Jogos Olímpicos de 2022 vão realizar-se em Pequim)
Pergunta: O teu último post no Instagram é dos bastidores de uma sessão fotográfica para uma revista de moda. Isso é mais interessante para ti do que a patinagem?
Evgenia - Eu sou uma pessoa criativa, eu gosto de coisas diferentes, eu gosto de novas imagens, experiências com maquilhagem e penteados. Eu gosto de desenhar apesar de não ser muito boa nisso. Eu adoro música, eu gosto de teatro e de filmes. Eu gosto de todos os tipos de arte.
Pergunta: Gostarias de tentar a tua sorte como actriz depois de parares de patinar?
Evgenia - Não, eu já estou demasiado envolvida com o desporto. Eu penso que ficarei ligada à patinagem artística para o resto da minha vida.
Pergunta: Tu és uma miúda culta e educada. Isso ajuda-te no gelo?
Evgenia - Tu não conseguirás atingir resultados se tiveres uma cabeça oca. Todos os desportos exigem cálculos frios. Tu tens de saber muitas coisas diferentes independentemente de qual é a tua principal especialização. Tu precisas de matemática, tu precisas de ser um bom comunicador porque se falares de forma desarticulada isso significa que a tua mente também está uma bagunça. Falar de forma eloquente e apropriada é uma arte tal como a patinagem artística.
Pergunta: Não há campeões estúpidos?
Evgenia - Não. Cabeça saudável num corpo saudável.
Pergunta: Dizem que os japoneses estão a fazer um documentário sobre ti...
Evgenia - Sim. Se bem me recordo vai estrear no dia 30 de Junho mas não vou falar sobre isso.
Pergunta: E se houvesse um filme ficcional sobre Evgenia Medvedeva, quem é que podia representar-te?
Evgenia - Keira Knightley. Eu já a representei no gelo.
Pergunta: Onde é que vais buscar ideias para os programas novos?
Evgenia - Eu tenho uma imaginação fértil. Às vezes eu tenho ideias malucas que nem sequer posso contá-las aos meus pais ou aos meus treinadores porque eles podem pensar que eu perdi o juízo.
Pergunta: Qual foi a última das tuas ideias malucas?
Evgenia - Que eu quero aprender a cantar.
Pergunta: E como é que ias arranjar tempo para isso?
Evgenia - O problema é esse: eu não tenho tempo.
Pergunta: Tu tens uns gostos musicais invulgares. Tu disseste que antes do programa livre, tu ouviste quatro álbuns de seguida da tua banda favorita. Porque não música clássica?
Evgenia - Porque quando tu ouves a música que vais patinar, tu já não te sentes a voar quando patinas essa música. Isso desgasta-te, faz o teu cérebro pesado. Provavelmente detestas o som do despertador por isso não o colocas nos auscultadores e ficas a ouvir isso. Porque precisas de ouvi-lo para acordar. Passa-se o mesmo com a música que patinamos. Eu tenho a certeza que muitos patinadores não ouvem as suas músicas. Eu nem sequer as tenho na minha lista. Porque tens de colocar a tua alma nela e se começares a ouvir essas músicas muitas vezes isso vai sugar a tua alma.
Pergunta: O que é que tu pensas quando patinas? Tu olhas para o público, vês a reacção?
Evgenia - Por algum motivo eu nunca vejo o público; eu apenas olho para os juízes e para dentro de mim. Habitualmente eu penso sobre se há alguma coisa de errado e como corrigir isso. É um cálculo frio que eu referi há pouco. Infelizmente não há tempo para pensamentos românticos durante a prestação. Quer dizer, eu senti qualquer coisa durante o programa livre nos Jogos Olímpicos. Foi um sentimento mágico...
Pergunta: Então foi a primeira vez na tua carreira que foste dominada pelas emoções?
Evgenia - Sim. Mas foram as emoções e o ambiente. A minha própria patinagem não me faz chorar.
Pergunta: Antes dos Jogos Olímpicos tu disseste que eles são um evento especial e que ia haver electricidade no ar e depois do teu regresso disseste que foi mais calmo dos que nos Europeus e nos Mundiais.
Evgenia - Muito mais calmo. Eu penso que é por acontecer apenas um ou duas vezes na vida e não podes dar-te ao luxo de te deixares levar pelas emoções. Por isso é que eu fui para o gelo totalmente concentrada. Eu compreendi que se não controlasse os meus nervos podia estragar tudo.
Pergunta: Tu disseste que depois dos Jogos Olímpicos ganhaste mais 400.000 seguidores nas redes sociais. Como é que lidas com isso?
Evgenia - Agora são mais 500.000. Eu estou a habituar-me. Agora quase toda a gente me reconhece nas ruas de Moscovo. Motiva-me a conseguir ainda mais.
Pergunta: Os fãs da Alina Zagitova deram-lhe um cachorro. Que presentes é que os fãs te deram?
Evgenia - O seu amor. É suficiente.
Pergunta: Depois da cerimónia de encerramento tu mostras-te no Instagram todos os peluches que recebeste. Quantos sacos?
Evgenia - Seis. Eu guardo-os todos. Um peluche recolhido do gelo olímpico é considerado uma relíquia. A Alina e eu demos uma parte dos peluches às crianças da nossa escola, outra parte foi enviada para um orfanato. Quantos mais peluches, mais crianças felizes.
Pergunta: Já te atiraram objectos fora do vulgar para a pista?
Evgenia - Não. Mas a alguns patinadores já. Alguns dos rapazes receberam roupa interior feminina. É muito estranho e fora do vulgar.
Pergunta: As pessoas estavam a falar sobre os teus planos de patinar um programa em conjunto com Yuzuru Hanyu?
Evgenia - Eu não ouvi nada sobre isso. É impossível pois nós treinamos em países diferentes. Para patinarmos um programa de exibição em conjunto, temos de trabalhar nisso, escolher a música, coreografar as sequências de passos, etc.
Pergunta: Muitos patinadores mantêm-se em forma e continuam a patinar mesmo depois de terminarem a sua carreira competitiva. Imaginaste fora do gelo?
Evgenia - Com dificuldade e apenas num futuro muito muito distante.
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