EV - Durante quase três anos competiste muito e nunca perdeste. Agora estás a começar do zero: um novo treinador, uma nova vida, sem certezas de que vais conseguir adaptar-te e qual será o resultado. Estás preocupada com um possível falhanço?
Evgenia Medvedeva - Eu sou muito pés no chão por natureza. Eu só vou lamentar o resultado se eu perceber que podia ter feito melhor e não fiz. Eu consigo admitir para mim própria algumas coisas desagradáveis. Se eu compreender que é o meu tecto, e que é tudo o que eu posso fazer no momento, eu simplesmente admitirei que terminei no lugar que devia. O meu lugar. Eu entendo que estou a começar uma nova vida. Eu nunca vivi noutro país, nunca trabalhei com especialistas estrangeiros, nunca comi comida diferente por mais de duas ou três semanas. Tudo muda. Uma página em branco.
EV - É assustador?
Evgenia Medvedeva - Não. Eu estou a olhar em frente. De momento nem sequer penso que posso perder para alguém. Eu tento olhar para como será daqui a uns anos. Em primeiro lugar eu quero continuar saudável. É o meu principal objectivo. Eu só preciso de me certificar que este objectivo não muda o resultado e encontrar um equilíbrio. No volume de trabalho, na comida, na preparação mental e na condição física.
EV - Antes das Olimpíadas na Coreia toda a tua vida se limita ao rinque. Tu estavas a treinar ou a dormir ou a preparar-te para os treinos.
Evgenia Medvedeva - Verdade. Andei a dormir todos esses anos.
EV - Agora parece que te libertaste. Tens tempo livre, a oportunidade de tentar uma nova vida onde não há tanta patinagem mesmo que seja por te teres separado da treinadora e não tens a possibilidade de patinar todos os dias. Como é que estás a lidar com esta nova vida?
Evgenia Medvedeva - Não é que me tenha libertado. Eu abri os olhos e olhei em volta. Sim, eu tinha um objectivo - os jogos olímpicos. Foi o que eu almejei, foquei-me nos Jogos Olímpicos e nada mais. Eu quase não tinha amigos ou interesses apesar de ser uma pessoa com diferentes facetas. Eu não conhecia ninguém, eu não mantinha o contacto por falta de tempo e às vezes por falta de vontade. Eram só treinos. Mas parece que eu estou a crescer por dentro. Durante o Inverno, quando eu estava lesionada e não podia patinar, de repente pensei: e se eu me retirar do desporto e acabar sem amigos, sem interesses, sem vida pessoal - nada? E quando eu abri os olhos depois dos Jogos Olímpicos, a vida não seguiu apenas um caminho diferente mas tornou-se num grande rio a partir de um riacho. Eu encontrei amigos, novos interesses e talvez uma profissão futura da qual eu possa gostar e que possa decidir mudar 150 vezes.
EV - Vais ser capaz de abdicar dessa vida de bom grado? De colocares os mesmos limites e perseguires o teu objectivo? Vais querer isso?
Evgenia Medvedeva - Eu vou querer. Eu acho que sou capaz de deixar tudo para trás pelo resultado. Mas mais importante - para ser realista. Não fazer coisas que me magoem ou magoem quem eu amo. Eu penso muitas vezes que a minha mãe e a minha avó sacrificaram suas vidas pela minha patinagem. Se eu sentir que não correspondo às suas expectativas… Eu não quero sentir isso.
EV - Ou seja, às vezes sentes-te culpada face aos teus familiares?
Evgenia Medvedeva - Raramente. Os meus pais compreendem que o mais importante é continuar a trabalhar. Não há resultados - nõs vamos continuar a trabalhar. Há resultados? Óptimo. Então continuaremos a trabalhar. Se eu não fizer o que tenho de fazer, então irei sentir-me culpada.
EV - Quão depressa levaste a recuperar depois dos Jogos Olímpicos?
Evgenia Medvedeva - Foi um processo longo. O meu corpo e a minha mente recuperam rapidamente fisicamente e mentalmente. Mas demorou um pouco depois dos Jogos Olímpicos. Acho que posso dizer que só agora é que estou totalmente recuperada mentalmente.
EV - Eu ouvi uma versão que a tua mudança para o Canadá não teve a ver com os treinos mas sim com as oportunidades para espectáculos.
Evgenia Medvedeva - Vou revelar-te um segredo: eu já tenho muitas oportunidades.
EV - O Brian Orser foi a tua única opção?
Evgenia Medvedeva - Sim.
EV - Porquê ele?
Evgenia Medvedeva - Por causa da Yuna Kim. Foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando eu comecei a pensar em mudar de treinadores. A Yuna venceu os Jogos Olímpicos de Vancouver quando tinha 19 anos e foi segunda em Sochi quando tinha 23 anos. Eu vou ter 22 anos nas [Olimpíadas] da China. Claro que não foi só por ela. O Orser tem outros atletas que são considerados "velhos" na patinagem artística e que participaram em mais do que uma edição dos Jogos Olímpicos. A Kim é uma desses atletas.
EV - Incomodou-te que ele tenha aceitado tantos atletas novos no seu grupo?
Evgenia Medvedeva - Não de todo. Eu sempre patinei e treinei num grupo em constante competição. Eu não me importo nada com isso. Além disso, os rapazes estão em maioria no grupo de Brian. Em segundo lugar, ele tem uma abordagem pessoal para cada patinador e ele enfatiza isso constantemente. Então ele terá tempo suficiente e atenção para cada um. Além do mais, eu gosto que haja tantos patinadores de topo à minha frente que me podem dar muito mais do que eu tinha antes.
EV - Como é que te mantiveste em forma tendo em conta que não tinhas gelo (referência a falta de pista para treinar)?
Evgenia Medvedeva - Eu não mantive a forma que tinha nos Jogos Olímpicos e também não era necessário. Eu estava exausta nos Jogos Olímpicos; eu estava a preparar-me para atingir o topo de forma no programa livre. Eu estava com o peso mínimo e a máxima preparação mental. Então eu tive de recuperar durante muito tempo depois dos Jogos Olímpicos. Eu ganhei algum peso mas não muito. Eu tenho um espaço em casa para manter os meus músculos em forma. Quanto à forma actual para a patinagem, nenhum atleta pode estar no topo sem treinos intensos. De momento é por isso que estou a ir para o Canadá.
EV - O Orser expressou alguns pedidos?
Evgenia Medvedeva - Não. Quando nós falámos na Coreia do Sul, eu penso que ele percebeu perfeitamente que eu patinarei no máximo das minhas possibilidades. Ou seja, circunstâncias. Se houver gelo - eu patino. Eu estava sem gelo em Moscovo. Ou seja estava sem uma base. Eu tive algumas horas de gelo antes do espectáculo no Japão e consegui recuperar alguns saltos. Eu queria muito isso.
EV - Demasiado tempo sem saltos?
Evgenia Medvedeva - Demasiado tempo sem saltos. Foi tão bom quando os saltos voltaram.
EV - Eu sempre tive esta curiosidade: em que é que tu pensas durante um salto?
Evgenia Medvedeva - Em tudo! Passam milhares de pensamentos pela minha cabeça. Eu também consigo ver o que se passa à minha volta e tento controlar tudo.
EV - Já falaste com o Orser sobre os novos programas?
Evgenia Medvedeva - Não. Em primeiro lugar eu quero ouvir pontos de vista diferentes. Não apenas do Brian mas também da Tracy e do David Wilson que vão coreografar os meus programas.
EV - Tu conheces esses especialistas?
Evgenia Medvedeva - Eu conheço o David; a Tracy nem por isso. É engraçado mas eu conheço melhor os seus atletas - Hanyu, Fernandez e Brown.
EV - O que é que tu queres?
Evgenia Medvedeva - Falando na temporada em geral, eu planeio não falhar competições. Patinar nos testes, nas provas do circuito do grande prémio. Eu gostaria de mudar o meu estilo. Em primeiro lugar, eu mudei e penso que não posso continuar a mesma no gelo. Eu estou a levar o mundo e a vida de forma diferente. Tenho a certeza que quando chegar ao Canadá as coisas na minha cabeça vão ficar viradas do avesso. Eu quero experimentar algo novo no gelo. Há tantas personagens que eu nunca patinei, que nem sequer tentei.
EV - Qual é o conteúdo de saltos que tu queres?
Evgenia Medvedeva - Eu tenho algumas ideias mas é prematuro anunciá-las.
EV - Tu deves estar radiante com a mudança na regra que veio limitar o número de saltos na segunda metade do programa.
Evgenia Medevedeva - Essas mudanças constroem a base para o trabalho no futuro. Se nos fosse dito que tínhamos de colocar todos os saltos na segunda metade, eu calava a boca e faria isso.
EV - Tu gostaste sempre dos programas que patinaste?
Evgenia Medvedeva - Eu amei o meu primeiro programa livre sénior onde interpretei uma menina surda. Eu adorei "Karenina". Por outro lado, no início eu não gostei do programa com que venci os meus segundos mundiais. Só mais para o fim é que eu encontrei o seu sabor. Eu patinei-o, bati o recorde mundial e adorei-o por me ter permitido alcançar os meus objectivos. Em contrapartida, "Karenina" deixa-me louca. Especialmente depois de "January Stars" onde apenas o vestido era adorável. Eu estava toda no programa "Karenina".
Nota: "January Stars" foi o primeiro programa livre feito para Evgenia na temporada 2017/2018. Depois o programa livre foi alterado para "Anna Karenina"
EV - O treinador de Oksana Baiul (campeã olímpica em 1994) disse que se o patinador estiver a viver o personagem na entrada de um salto triplo, ele terminará esse salto no fundo das costas. Quanto é que te permites não pensar nos elementos enquanto patinas?
Evgenia Medvedeva - A "Karenina" permitiu-me isso. Quando eu estava a patinar nos Jogos Olímpicos, eu deixei o meu corpo fazer o seu trabalho e estava completamente no personagem. Eu nem sequer tentei imaginar, eu simplesmente patinei o programa livre como nos treinos. Eu tinha esta liberdade interior sensacional. Se tu soubesses o que passou pela minha cabeça quando eu comecei a sequência de passos!
EV - O quê?
Evgenia Medvedeva - Eu estava a patinar e a perguntar a mim mesma "tu percebes que são os Jogos Olímpicos? Percebes que milhões ou milhares de pessoas estão a ver-te? Compreende que se fizeres um pequeno erro tudo estará perdido?" e eu respondi "Percebi! Excelente? Excelente! Vamos nos divertir!". Não houve estresse.
EV - Tu pensas no porquê das campeãs olímpicas, com poucas excepções, nunca conseguirem chegar aos Jogos Olímpicos seguintes? Por que é que a Baiul, a Lipinski e a Sotnikova não ficaram?
Evgenia Medvedeva - Penso que tem a ver com o medo de perder o que se ganhou durante todos esses anos. A vontade de patinar continua lá, penso eu, sempre, mas no momento em que a pessoa tem a oportunidade de tentar outra vida isso absorve-te. Muita gente não entende que o desporto e a vida normal nem sempre podem andar de mão dada.
EV - Eu conheci um lutador que se retirou depois de vencer os Jogos Olímpicos com 23 anos, dizendo "Eu não quero que a vida passe por mim enquanto eu treino". Um sentimento familiar?
Evgenia Medvedeva - Não, nunca senti isso. Eu tive uma infância normal - eu brinquei com outras crianças, simplesmente no ginásio em vez de na rua, mas eu divertia-me. De momento não creio que a vida esteja a passar por mim. Eu terminei o ensino secundário e fui admitida na Universidade.
EV - Quando é que aprendeste inglês?
Evgenia Medvedeva - Eu realmente não aprendi. Simplesmente entendia. Não tinha outra hipótese.
EV - O que queres dizer com isso?
Evgenia Medvedeva - Só isso. Eu via os atletas estrangeiros da minha idade ou um pouco mais velhos a falar entre si em todas as competições e eu pensei: eu quero tanto falar com vocês, mas como? Tentei uma vez e depois outra vez. Eu aprendi três palavras numa viagem e depois mais cinco noutra viagem. Depois vi na internet como construir uma frase, aprendi mais palavras. Eu nem dei conta mas de repente eu fui capaz não apenas de conversar mas de dar entrevistas. Claro que eu cometo erros. Eu tropeço e uso a gramática errada. Mas compreendem-me. E eu compreendo as pessoas.
EV - Para ti é difícil admitir que não sabes alguma coisa?
Evgenia Medvedeva - Não de todo. Há tantas coisas que eu não sei e que eu não sei fazer. E eu não tenho vergonha de admitir isso. Porque é verdade.
EV - Quanto tempo aguentas sem patinagem artística até te sentires desconfortável?
Evgenia Medvedeva - Pouco. Muito pouco. Eu não consigo ficar parada - os meus músculos doem-me e sinto-me fisicamente desconfortável. Quando não patinas por muito tempo acontece o mesmo. Doem-me as pernas. A minha irritação - quando eu tenho uma folga e não há gelo, a minha cabeça dói-me imenso e quase me apetece meter dentro do frigorifico. Parece que há qualquer coisa no gelo que me faz falta. Além disso para mim é mentalmente difícil ficar parada.
EV - Quão rápido é que tu perdes as tuas habilidades quando não treinas?
Evgenia Medvedeva - Muito rápido. Deixas de sentir as arestas. Patinando e compreendo tu vais em piloto automático: sentar na aresta, deslizar - a cabeça compreende o que precisa ser feito mas as pernas vão para os lados. É como se o contacto entre o cérebro e as pernas se perdesse um pouco. Tu queres uma coisa e vais parar a outro lado. As minhas quedas mais estúpidas foram por causa disso. As marcas nos joelhos e nos cotovelos…
EV - Voltando à tua partida para o Canadá: tu deves ter pensado em como a tua nova vida vai ficar encarecida.
Evgenia Medvedeva - Essa preocupação foi essencialmente da minha mãe. Foi a função dela perceber se estávamos prontas.
EV - E quando a tua mãe disse que estavam prontas…
Evgenia Medvedeva - Eu percebi que tinha de agarrar nos meus patins e partir para o Canadá.
EV - Alguém tentou demover-te dessa decisão?
Evgenia Medvedeva - Francamente? Ninguém
E pronto… Assim terminou a entrevista de Evgenia. O que acharam das palavras de Evgenia?
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Até à próxima