quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Tradução de entrevista de Julia Lipnitskaya


A patinadora Julia Lipnitskaya concedeu uma entrevista à jornalista russa Elena Vaisetkhovskaya para o sport-express.ru. A entrevista ocorreu no contexto da semana de testes na Rússia em que os patinadores têm de mostrar os novos programas perante especialistas da Federação.


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Tradução de entrevista

EV – A Julia Lipnitskaya não estava satisfeita com o seu programa livre. Respondendo sobre o que mais a desagradou disse:

Julia: Decorreu como esperado. Simplesmente nós não tivemos ensaios gerais suficientes durante os treinos. Aliás, nós nunca patinámos o programa livre completo. Mas sabendo como eu estava nervosa antes dos testes – podia ter sido muito pior. A pressão era alta.

EV – Eu entrevistei-te no início do ano e tu disseste que a certa altura tiveste medo de competir.

Julia: Certo. Por exemplo, no ano passado eu tive medo dos testes. No entanto, quando eu penso nas competições futuras não há medo. Eu compreendo que no tempo que falta nós faremos ensaios gerais suficientes e as coisas serão bastantes diferentes a partir de agora. Eu penso que a primeira vez em público, a estreia dos novos programas foi sempre um estresse para mim, mesmo quando era garota. De todas as vezes eu queria muito mostrar todas as coisas novas que eu tinha aprendido. E só o pensamento de que algo podia correr mal, causava-me tanto medo que as minhas pernas tremiam. Isso melhorou. Eu tentei lutar por cada elemento do meu programa livre, mesmo que alguns fossem chatos. Anteriormente eu abortava um salto.

EV – Tu tinhas grande planos para a pré-temporada, principalmente em relação aos saltos. Atingiste os teus objectivos?

Julia: Nós trabalhámos essencialmente na técnica. Nem tudo foram rosas – houve algumas lesões. Mas nós conseguimos fazer muito. Nós trabalhámos nas sequências de saltos com o foco no segundo salto e, francamente, foi difícil recuperar esses saltos. No programa curto, eu mais ou menos consegui fazer as coisas apesar de estar preocupada com a minha (combinação) triplo lutz-triplo toe loop. O programa livre ainda está muito irregular e a coreografia ainda não está trabalhada.

EV – Tu és muito rigorosa.

Julia: Quem é que eu estaria a enganar? O mais importante é que o Alexei Urmanov e eu temos claro o que é que nós vamos trabalhar até às competições. A minha primeira competição é o Nepela Memorial em Bratislava, depois os grandes prémios em Chicago e Moscovo.

 

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EV – Eu sei que tu trabalhaste muito com uma especialista em dança no gelo durante o Verão – Ekaterina Rubleva. Gostaste?

Julia: Muito. Nós comunicámos com facilidade. A Katia (diminuitivo para Ekaterina) começou a trabalhar comigo como se eu tivesse passado a minha vida toda na dança no gelo. Na verdade, os patinadores da dança no gelo são de uma nação diferente na patinagem artística. Eles conseguem trabalhar em sequências de passos, que eu detesto com todo o coração, durante todo o treino.

EV – Referes-te a alguns passos complicados?

Julia: Quem me dera! Não, os passos básicos com a lâmina a direito. O passo mais básico da patinagem artística! Para os patinadores individuais é apenas algo para ganhar velocidade. Para os patinadores de dança no gelo há toda uma teoria, incluindo tão baixo te podes baixar, como fazes a puxada, como é que posicionas as costas, sem usar os teus ombros ou a anca. Eu estava a dar em doida ao aprender isso tudo. Os passos eram mais cansativos do que patinar todo o programa livre. Saltar é tão mais fácil!

EV – O que é que sentes que esse trabalho te deu?

Julia: Passos mais poderosos, um deslizar diferente. Infelizmente, nós não tivemos a oportunidade de trabalhar tanto quanto como queríamos: a Katia veio para Sochi várias vezes e arranjava tempo para trabalhar comigo entre as suas equipas de dança. Algumas vezes era por diversos dias, outras vezes por uma semana. Infelizmente não há um treinador de deslizamento em Sochi.

EV – Com as novas regras para individuais, tornou-se moda convidar especialistas em dança para as sequências de passos. Pelo menos é o que a maioria faz. Consegues explicar isso?

Julia: Os dançarinos no gelo não desperdiçam o seu precioso tempo numa coisa tão desprezível como os saltos. Os patinadores individuais gastam a maior parte do seu tempo de treino nos saltos: a técnica, a preparação e afins. Por isso, se um patinador individual realizar uma sequência com passos de dança, em que os dançarinos trabalham várias horas diariamente, já vai parecer diferente. Realmente é muito fixe fazer os passos como os dançarinos. Por isso é que há tanta gente a tentar trabalhar nos passos com os dançarinos no gelo – para melhorar a técnica. Torna-se mais fácil acrescentar detalhes para o trabalho de joelhos ou do corpo para fazer os passos parecerem melhor e começar a actuar aí, sem estar a morrer durante os passos mas a sentir-se confortável. A sequência de passos do programa curto foi feita com o Stephane Lambiel. Eu fiz algumas mudanças em Sochi – torneia-as mais fáceis para que eu pudesse fazer os saltos. No início da temporada você sempre dá um tempo na primeira parte para poder patinar o programa até ao fim. Eu tinha tudo sob controlo durante a minha prova (provavelmente é uma referência aos testes) e fiquei surpreendida em como tudo decorreu com facilidade. Quando nós estávamos a coreografar o programa tudo era desconfortável.

EV – Como é que tu lidaste com o desconfortável?

Julia: Mesmo quando eu era garota os treinadores diziam-me: se tu coreografas as coisas para serem confortáveis o tempo todo, o atleta não vai aprender nada. Os “elementos desconfortáveis” fazem-nos trabalhar neles arduamente e é assim que tu aprendes. Eu lembrei-me disso. Por isso quando estava a trabalhar com o Lambiel em vez de ficar chateada eu pensei “Vou aprender tanto”.

EV – Como é que acabou?

Julia: Com tudo a ser fácil agora. Eu devia estar feliz mas estou a olhar para o que vai correr mal: por que é que é tão fácil? Provavelmente algo está errado! Provavelmente esqueci-me de alguma coisa!

EV – Mas ainda existem coisas em que trabalhar?

Julia: Claro. Deram-nos muitas chamadas de atenção sobre o programa curto, tanto nos passos como nas transições. Todas as chamadas de atenção foram acertadas e, claro está, é nisso que nós vamos trabalhar imediatamente. Quanto ao programa livre – primeiro tenho que me habituar. Depois trabalharei nos detalhes.

EV – Tu surpreendeste-me ao falar sobre o trabalho com o Lambiel.  Geralmente acredita-se que os ex-patinadores coreografam as coisas mais confortáveis.

Julia: Eu realmente amei trabalhar com o Lambiel. Talvez seja porque ele não é o primeiro coreógrafo com quem eu trabalhei, então eu tenho algo para comparar. Digamos que quando és uma garota, os teus treinadores fazem-te programas que são confortáveis para crianças, porque o principal são os saltos. O Nikolai Morozov coreografa de forma confortável: normalmente ele pedia-me para mostrar alguns passos, ele olhava e dizia “Ok. Vamos integrar isto aqui ou ali”. E de facto, as sequências de passos eram para ser confortáveis. A Marina Zoueva tentou trazer algo novo para as transições e mostrar alguma coreografia nova, só que quando eu estava a trabalhar com ela não estava em paz comigo mesma. Claro que para alguém do estrangeiro era ainda mais difícil perceber como trabalhar comigo. Durante a temporada eu habituei-me aos programas mas inicialmente eles pareciam estranhos. Com o Stephane é outra história. A música começava e ele voava. Ele adora tanto a música e o gelo que é um prazer observar as suas improvisações. Mas não foi para isso que nós fomos lá! Na realidade era assim: o Stephane ligava a música, começava a fazer passos rápidos, o Alexei Urmanov e eu ficávamos de queixo caído sem sequer entender como é que ele estava a fazer aquilo. Depois eu recompunha-me, pedia-lhe para repetir e ele ia – mas ele fazia as coisas de maneira totalmente diferente sem sequer se dar conta disso! Ele já não se lembrava dos passos nem da sua ordem! Ainda agora perguntar-lhe o que ele fez exactamente é inútil. Então eu aprendi a ver alguns dos seus passos e a repeti-los. Eu patinava atrás dele, observando a suas pernas. Ele estava a “entrançar” as pernas o tempo todo. Eu nunca tinha passado tanto tempo “sentada” no gelo na minha vida como na Suíça a tentar repetir os passos do Stephane.

EV – O final desse trabalho foi um alívio?

Julia: Por um lado eu adorei e gostaria de continuar; por outro lado, o Alexei Urmanov e eu percebemos que isso seria muito para os dois programas e que não seríamos capazes de processar aquilo tudo. Mas nós vamos integrar no programa livre alguns passos que não foram usados para o programa curto.

EV – Como é que o programa livre foi coreografado?

Julia: Demorámos algum tempo para encontrar a música. Nós andávamos a ouvir de tudo até que encontrámos a banda sonora de “Kill Bill”. Eu lembrei-me que tinha patinado aquela música num programa de exibição e pensei “Por que não?”. Nessa altura tinham-me dito que era bom.

EV – Eu estou a tentar lembrar-me e não consigo?

Julia: Foi na temporada olímpica e só o patinei uma vez – no grande prémio do Canadá. Nós coreografamo-lo muito depressa e os cortes na música não foram os melhores, daí que acabou por não ser o que eu queria e imaginava. E foi isto. Agora eu vejo-o a ser desenvolvido e estou interessada.  

EV – Continua a ser importante para ti perceberes qual a ideia por detrás do programa e gostares dela?

Julia: Agora é diferente. Se anteriormente eu descartava uma ideia que eu não conseguia compreender, agora eu tento pensar em que é que o coreógrafo vê que eu não vejo. Quanto ao programa livre não havia nada contra – as coisas encaixaram-se. Foi confortável coreografar o programa em casa – sem a necessidade de estar a seguir a ideia de outrem – é muito mais livre e confortável. Se eu sentir que devo mudar a entrada para um elemento, eu faço-o. Se eu quiser mudar a ordem dos elementos não há problema.

EV – Durante o Verão tu alcançaste uma excelente forma. Foi difícil?

Julia: Comecei a perder peso antes da Taça da Rússia em Saransk (competição interna), em Fevereiro passado. Não há muito tempo eu coloquei duas fotos juntas: uma da altura das exibições nos campeonatos nacionais do final do ano passado e outra tirada num espectáculo em Moscovo mesmo antes dos testes. Eu fiquei chocada. Em Dezembro passado, eu pensei que estava bem e que não precisava perder mais peso. Na realidade, vejo uma diferença de oito quilos entre as duas fotos.

EV- Tens feito um esforço para manter o peso actual?

Julia: Nem por isso. Desde que eu comecei a trabalhar a minha forma no ginásio, o problema desapareceu. O trabalho que eu faço lá é focado em manter os meus músculos e não em fazê-los aumentar. Apesar de tudo, anteriormente, eu tinha medo do ginásio.

EV – Porquê?

Julia: Porque eu raramente lá ia e quando o fazia era até ao limite. Então eu tinha a sensação de que as minhas pernas inchavam como se alguém lhes tivesse posto água. Foi na mesma altura em que eu comecei a ganhar peso, então a palavra ginásio fazia-me entrar em pânico – eu não estava apenas gorda, eu ia ficar inchada! E aquele corpo nem estava a patinar – uma catástrofe de todo o tamanho. No entanto, em Sochi, as coisas começaram a resultar mas mesmo assim eu estava a tremer a primeira vez que fui ao ginásio.

EV – Tu estavas a ver-te ao espelho para acompanhar as mudanças do teu corpo?

Julia: Os massagistas são os primeiros a notar as diferenças. Eles começaram a dizer-me que eu estava a ganhar músculo nas minhas costas e nas pernas. Eu já tinha tentada trabalhar nas minhas costas anteriormente mas parece que do modo errado, o que causava alguns problemas na espinha e nos nervos. Eu fazia uma volta mal feita com o meu corpo e bastava isso para a minha não funcionar. Trabalhar as costas correctamente é um problema geral na patinagem artística – acho que todos os patinadores se deparam com isso.

EV – Provavelmente é uma pergunta estúpida mas quando os teus músculos estão bem trabalhados, as quedas tornam-se menos dolorosas?

Julia: Diria que consegues levantar-te mais depressa. E às vezes até nem cais onde parecia que ia acontecer. Mas as quedas chateiam-me muito.

EV – Durante o ano que viveste em Sochi, sentiste que estavas a viver numa estância de férias?

Julia: Sentes-te num local de férias quando andas pelas ruas cheias de gente e loucas com o sol, calor e nada que fazer. Percebi como todos andavam relaxados assim que iniciei as aulas de condução. O instructor levava-me para locais cheios de gente para trabalhar a minha atenção e reacção. Foi aí que eu percebi que as pessoas não controlavam as suas acções. Tu podes ir a conduzir a 10km/h mas mesmo assim há uma possibilidade de alguém acabar debaixo das tuas rodas. Alguns nem pensam se estão numa rua ou no passeio. Em Sochi, a qualquer altura alguém pode ir a conduzir em sentido contrário, não porque estão com pressa, mas porque estão distraídos. Estão-me sempre a perguntar “Como é que é trabalhar em Sochi? Estás na praia o dia todo?”.

EV – Boa pergunta.

Julia: Honestamente, a última vez que fui à praia foi provavelmente há um mês. Inicialmente era interessante; Eu tentava ir para o mar todos os dias mesmo se fosse apenas para passar algum tempo na praia e apanhar algum sol. Quando começámos a trabalhar a sério, eu tive que parar de fazer isso. Para mim é melhor passar uma hora a dormir ou a estudar para o meu exame de código. No meu dia de folga eu costumo dormir até à uma da tarde para recuperar com mais rapidez. Ou então vou a Moscovo.

EV – Vais lá com regularidade?

Julia: Eu tento. Ajuda-me a recuperar: apesar dos voos, eu geralmente regresso cheia de energia e com vontade de trabalhar.

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