A patinadora Julia Lipnitskaya
concedeu uma entrevista à jornalista russa Elena Vaisetkhovskaya para o
sport-express.ru. A entrevista ocorreu no contexto da semana de testes na
Rússia em que os patinadores têm de mostrar os novos programas perante
especialistas da Federação.
Ligação original: http://www.sport-express.ru/se-velena/reviews/yuliya-lipnickaya-v-sochi-ya-perestala-boyatsya-trenazhernogo-zala-1043944/
Tradução de entrevista
EV – A Julia Lipnitskaya não estava
satisfeita com o seu programa livre. Respondendo sobre o que mais a desagradou
disse:
Julia: Decorreu como esperado.
Simplesmente nós não tivemos ensaios gerais suficientes durante os treinos. Aliás,
nós nunca patinámos o programa livre completo. Mas sabendo como eu estava nervosa
antes dos testes – podia ter sido muito pior. A pressão era alta.
EV – Eu entrevistei-te no início do
ano e tu disseste que a certa altura tiveste medo de competir.
Julia: Certo. Por exemplo, no ano
passado eu tive medo dos testes. No entanto, quando eu penso nas competições
futuras não há medo. Eu compreendo que no tempo que falta nós faremos ensaios
gerais suficientes e as coisas serão bastantes diferentes a partir de agora. Eu
penso que a primeira vez em público, a estreia dos novos programas foi sempre
um estresse para mim, mesmo quando era garota. De todas as vezes eu queria
muito mostrar todas as coisas novas que eu tinha aprendido. E só o pensamento
de que algo podia correr mal, causava-me tanto medo que as minhas pernas
tremiam. Isso melhorou. Eu tentei lutar por cada elemento do meu programa
livre, mesmo que alguns fossem chatos. Anteriormente eu abortava um salto.
EV – Tu tinhas grande planos para a
pré-temporada, principalmente em relação aos saltos. Atingiste os teus
objectivos?
Julia: Nós trabalhámos essencialmente
na técnica. Nem tudo foram rosas – houve algumas lesões. Mas nós conseguimos
fazer muito. Nós trabalhámos nas sequências de saltos com o foco no segundo
salto e, francamente, foi difícil recuperar esses saltos. No programa curto, eu
mais ou menos consegui fazer as coisas apesar de estar preocupada com a minha (combinação) triplo lutz-triplo toe loop.
O programa livre ainda está muito irregular e a coreografia ainda não está
trabalhada.
EV – Tu és muito rigorosa.
Julia: Quem é que eu estaria a
enganar? O mais importante é que o Alexei Urmanov e eu temos claro o que é que
nós vamos trabalhar até às competições. A minha primeira competição é o Nepela
Memorial em Bratislava, depois os grandes prémios em Chicago e Moscovo.
EV – Eu sei que tu trabalhaste muito
com uma especialista em dança no gelo durante o Verão – Ekaterina Rubleva.
Gostaste?
Julia: Muito. Nós comunicámos com
facilidade. A Katia (diminuitivo para
Ekaterina) começou a trabalhar comigo como se eu tivesse passado a minha
vida toda na dança no gelo. Na verdade, os patinadores da dança no gelo são de
uma nação diferente na patinagem artística. Eles conseguem trabalhar em sequências
de passos, que eu detesto com todo o coração, durante todo o treino.
EV – Referes-te a alguns passos
complicados?
Julia: Quem me dera! Não, os passos
básicos com a lâmina a direito. O passo mais básico da patinagem artística!
Para os patinadores individuais é apenas algo para ganhar velocidade. Para os
patinadores de dança no gelo há toda uma teoria, incluindo tão baixo te podes
baixar, como fazes a puxada, como é que posicionas as costas, sem usar os teus
ombros ou a anca. Eu estava a dar em doida ao aprender isso tudo. Os passos
eram mais cansativos do que patinar todo o programa livre. Saltar é tão mais
fácil!
EV – O que é que sentes que esse
trabalho te deu?
Julia: Passos mais poderosos, um
deslizar diferente. Infelizmente, nós não tivemos a oportunidade de trabalhar
tanto quanto como queríamos: a Katia veio para Sochi várias vezes e arranjava
tempo para trabalhar comigo entre as suas equipas de dança. Algumas vezes era
por diversos dias, outras vezes por uma semana. Infelizmente não há um
treinador de deslizamento em Sochi.
EV – Com as novas regras para
individuais, tornou-se moda convidar especialistas em dança para as sequências
de passos. Pelo menos é o que a maioria faz. Consegues explicar isso?
Julia: Os dançarinos no gelo não
desperdiçam o seu precioso tempo numa coisa tão desprezível como os saltos. Os
patinadores individuais gastam a maior parte do seu tempo de treino nos saltos:
a técnica, a preparação e afins. Por isso, se um patinador individual realizar
uma sequência com passos de dança, em que os dançarinos trabalham várias horas
diariamente, já vai parecer diferente. Realmente é muito fixe fazer os passos
como os dançarinos. Por isso é que há tanta gente a tentar trabalhar nos passos
com os dançarinos no gelo – para melhorar a técnica. Torna-se mais fácil
acrescentar detalhes para o trabalho de joelhos ou do corpo para fazer os
passos parecerem melhor e começar a actuar aí, sem estar a morrer durante os
passos mas a sentir-se confortável. A sequência de passos do programa curto foi
feita com o Stephane Lambiel. Eu fiz algumas mudanças em Sochi – torneia-as
mais fáceis para que eu pudesse fazer os saltos. No início da temporada você
sempre dá um tempo na primeira parte para poder patinar o programa até ao fim.
Eu tinha tudo sob controlo durante a minha prova (provavelmente é uma referência aos testes) e fiquei surpreendida em
como tudo decorreu com facilidade. Quando nós estávamos a coreografar o
programa tudo era desconfortável.
EV – Como é que tu lidaste com o
desconfortável?
Julia: Mesmo quando eu era garota os
treinadores diziam-me: se tu coreografas as coisas para serem confortáveis o
tempo todo, o atleta não vai aprender nada. Os “elementos desconfortáveis”
fazem-nos trabalhar neles arduamente e é assim que tu aprendes. Eu lembrei-me
disso. Por isso quando estava a trabalhar com o Lambiel em vez de ficar
chateada eu pensei “Vou aprender tanto”.
EV – Como é que acabou?
Julia: Com tudo a ser fácil agora. Eu
devia estar feliz mas estou a olhar para o que vai correr mal: por que é que é
tão fácil? Provavelmente algo está errado! Provavelmente esqueci-me de alguma
coisa!
EV – Mas ainda existem coisas em que
trabalhar?
Julia: Claro. Deram-nos muitas
chamadas de atenção sobre o programa curto, tanto nos passos como nas
transições. Todas as chamadas de atenção foram acertadas e, claro está, é nisso
que nós vamos trabalhar imediatamente. Quanto ao programa livre – primeiro tenho
que me habituar. Depois trabalharei nos detalhes.
EV – Tu surpreendeste-me ao falar
sobre o trabalho com o Lambiel. Geralmente
acredita-se que os ex-patinadores coreografam as coisas mais confortáveis.
Julia: Eu realmente amei trabalhar
com o Lambiel. Talvez seja porque ele não é o primeiro coreógrafo com quem eu
trabalhei, então eu tenho algo para comparar. Digamos que quando és uma garota,
os teus treinadores fazem-te programas que são confortáveis para crianças,
porque o principal são os saltos. O Nikolai Morozov coreografa de forma
confortável: normalmente ele pedia-me para mostrar alguns passos, ele olhava e
dizia “Ok. Vamos integrar isto aqui ou ali”. E de facto, as sequências de
passos eram para ser confortáveis. A Marina Zoueva tentou trazer algo novo para
as transições e mostrar alguma coreografia nova, só que quando eu estava a
trabalhar com ela não estava em paz comigo mesma. Claro que para alguém do
estrangeiro era ainda mais difícil perceber como trabalhar comigo. Durante a
temporada eu habituei-me aos programas mas inicialmente eles pareciam estranhos.
Com o Stephane é outra história. A música começava e ele voava. Ele adora tanto
a música e o gelo que é um prazer observar as suas improvisações. Mas não foi
para isso que nós fomos lá! Na realidade era assim: o Stephane ligava a música,
começava a fazer passos rápidos, o Alexei Urmanov e eu ficávamos de queixo
caído sem sequer entender como é que ele estava a fazer aquilo. Depois eu
recompunha-me, pedia-lhe para repetir e ele ia – mas ele fazia as coisas de
maneira totalmente diferente sem sequer se dar conta disso! Ele já não se
lembrava dos passos nem da sua ordem! Ainda agora perguntar-lhe o que ele fez
exactamente é inútil. Então eu aprendi a ver alguns dos seus passos e a repeti-los.
Eu patinava atrás dele, observando a suas pernas. Ele estava a “entrançar” as
pernas o tempo todo. Eu nunca tinha passado tanto tempo “sentada” no gelo na
minha vida como na Suíça a tentar repetir os passos do Stephane.
EV – O final desse trabalho foi um
alívio?
Julia: Por um lado eu adorei e
gostaria de continuar; por outro lado, o Alexei Urmanov e eu percebemos que
isso seria muito para os dois programas e que não seríamos capazes de processar
aquilo tudo. Mas nós vamos integrar no programa livre alguns passos que não
foram usados para o programa curto.
EV – Como é que o programa livre foi
coreografado?
Julia: Demorámos algum tempo para
encontrar a música. Nós andávamos a ouvir de tudo até que encontrámos a banda
sonora de “Kill Bill”. Eu lembrei-me que tinha patinado aquela música num
programa de exibição e pensei “Por que não?”. Nessa altura tinham-me dito que
era bom.
EV – Eu estou a tentar lembrar-me e
não consigo?
Julia: Foi na temporada olímpica e só
o patinei uma vez – no grande prémio do Canadá. Nós coreografamo-lo muito
depressa e os cortes na música não foram os melhores, daí que acabou por não
ser o que eu queria e imaginava. E foi isto. Agora eu vejo-o a ser desenvolvido
e estou interessada.
EV – Continua a ser importante para
ti perceberes qual a ideia por detrás do programa e gostares dela?
Julia: Agora é diferente. Se
anteriormente eu descartava uma ideia que eu não conseguia compreender, agora
eu tento pensar em que é que o coreógrafo vê que eu não vejo. Quanto ao programa
livre não havia nada contra – as coisas encaixaram-se. Foi confortável
coreografar o programa em casa – sem a necessidade de estar a seguir a ideia de
outrem – é muito mais livre e confortável. Se eu sentir que devo mudar a
entrada para um elemento, eu faço-o. Se eu quiser mudar a ordem dos elementos não
há problema.
EV – Durante o Verão tu alcançaste
uma excelente forma. Foi difícil?
Julia: Comecei a perder peso antes da
Taça da Rússia em Saransk (competição
interna), em Fevereiro passado. Não há muito tempo eu coloquei duas fotos
juntas: uma da altura das exibições nos campeonatos nacionais do final do ano
passado e outra tirada num espectáculo em Moscovo mesmo antes dos testes. Eu
fiquei chocada. Em Dezembro passado, eu pensei que estava bem e que não
precisava perder mais peso. Na realidade, vejo uma diferença de oito quilos
entre as duas fotos.
EV- Tens feito um esforço para manter
o peso actual?
Julia: Nem por isso. Desde que eu
comecei a trabalhar a minha forma no ginásio, o problema desapareceu. O
trabalho que eu faço lá é focado em manter os meus músculos e não em fazê-los
aumentar. Apesar de tudo, anteriormente, eu tinha medo do ginásio.
EV – Porquê?
Julia: Porque eu raramente lá ia e
quando o fazia era até ao limite. Então eu tinha a sensação de que as minhas
pernas inchavam como se alguém lhes tivesse posto água. Foi na mesma altura em
que eu comecei a ganhar peso, então a palavra ginásio fazia-me entrar em pânico
– eu não estava apenas gorda, eu ia ficar inchada! E aquele corpo nem estava a
patinar – uma catástrofe de todo o tamanho. No entanto, em Sochi, as coisas
começaram a resultar mas mesmo assim eu estava a tremer a primeira vez que fui
ao ginásio.
EV – Tu estavas a ver-te ao espelho
para acompanhar as mudanças do teu corpo?
Julia: Os massagistas são os
primeiros a notar as diferenças. Eles começaram a dizer-me que eu estava a
ganhar músculo nas minhas costas e nas pernas. Eu já tinha tentada trabalhar
nas minhas costas anteriormente mas parece que do modo errado, o que causava
alguns problemas na espinha e nos nervos. Eu fazia uma volta mal feita com o
meu corpo e bastava isso para a minha não funcionar. Trabalhar as costas
correctamente é um problema geral na patinagem artística – acho que todos os
patinadores se deparam com isso.
EV – Provavelmente é uma pergunta
estúpida mas quando os teus músculos estão bem trabalhados, as quedas tornam-se
menos dolorosas?
Julia: Diria que consegues
levantar-te mais depressa. E às vezes até nem cais onde parecia que ia
acontecer. Mas as quedas chateiam-me muito.
EV – Durante o ano que viveste em
Sochi, sentiste que estavas a viver numa estância de férias?
Julia: Sentes-te num local de férias
quando andas pelas ruas cheias de gente e loucas com o sol, calor e nada que
fazer. Percebi como todos andavam relaxados assim que iniciei as aulas de
condução. O instructor levava-me para locais cheios de gente para trabalhar a
minha atenção e reacção. Foi aí que eu percebi que as pessoas não controlavam
as suas acções. Tu podes ir a conduzir a 10km/h mas mesmo assim há uma
possibilidade de alguém acabar debaixo das tuas rodas. Alguns nem pensam se
estão numa rua ou no passeio. Em Sochi, a qualquer altura alguém pode ir a
conduzir em sentido contrário, não porque estão com pressa, mas porque estão
distraídos. Estão-me sempre a perguntar “Como é que é trabalhar em Sochi? Estás
na praia o dia todo?”.
EV – Boa pergunta.
Julia: Honestamente, a última vez que
fui à praia foi provavelmente há um mês. Inicialmente era interessante; Eu
tentava ir para o mar todos os dias mesmo se fosse apenas para passar algum
tempo na praia e apanhar algum sol. Quando começámos a trabalhar a sério, eu
tive que parar de fazer isso. Para mim é melhor passar uma hora a dormir ou a
estudar para o meu exame de código. No meu dia de folga eu costumo dormir até à
uma da tarde para recuperar com mais rapidez. Ou então vou a Moscovo.
EV – Vais lá com regularidade?
Julia: Eu tento. Ajuda-me a
recuperar: apesar dos voos, eu geralmente regresso cheia de energia e com
vontade de trabalhar.
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