sábado, 22 de setembro de 2018

CS Autumn Classic International 2018 - Evgenia Medvedeva

O troféu Autumn Classic International 2018 decorreu no Canadá entre os dias 20 e 22 de Setembro de 2018. Esta competição está integrada no circuito Challenger Series 2018/2019 e foi estrelada por atletas do calibre de Yuzuru Hanyu e Evgenia Medvedeva.


Bradie Tennell (Estados Unidos) contrariou as previsões iniciais e levou a medalha de ouro para casa depois de ter ficado em segundo lugar no programa curto e em primeiro no livre. 
A bicampeã mundial Evgenia Medvedeva entrou nesta prova na condição de grande favorita à vitória final mas teve de contentar-se com a medalha de prata, depois de ter sido primeira classificada no curto e segunda no livre.
A francesa Mae Berenice Meite surpreendeu pela positiva e arrecadou a medalha de bronze.
Wakaba Higuchi (Japão), actual vice-campeã mundial, desiludiu e ficou longe do pódio. 

Resultado final




O objectivo desta publicação é partilhar a minha opinião sobre a prestação da super estrela Evgenia Medvedeva e analisar alguns aspectos referentes ao ajuizamento.


Vamos a isto


Video do programa curto de Evgenia

Evgenia venceu o programa curto com uma nota de 70.98pts. Esta vitória parcial não ocorreu sem alguma polémica. Durante a transmissão fiquei imediatamente com a sensação de que Bradie Tennell devia ter terminado à frente da patinadora russa. Depois de analisar os protocolos e rever o programa, a minha convicção saiu reforçada. 

O triplo lutz, que foi o primeiro elemento do esquema, recebeu grau de execução positivo apesar de uma falha óbvia na definição de entrada no salto. O ajuizamento neste elemento foi lastimoso. O primeiro problema teve a ver com o facto do controlador técnico ter marcado o símbolo "!" em vez de "e". O símbolo "!" alerta os juízes para a circunstância da definição de entrada no salto não ter sido feita de forma clara. Para as situações em que seja marcado o símbolo "!", a ISU recomenda que seja aplicado grau de execução negativo entre -1 e -3, dependendo da intensidade do erro. O símbolo "e" significa que a aresta de entrada no salto foi incorrecta. Para esses casos, a ISU recomenda a aplicação de grau de execução entre -3 e -4. Ora, ao marcar o símbolo "!" em vez de "e", o painel técnico teve influência na determinação do valor base do elemento e na indicação dada ao painel de juízes para procederem à aplicação do grau de execução. O valor base de um triplo lutz limpo é de 5.90pts. No caso da aresta de entrada ter sido incorrecta, o valor base do triplo lutz é reduzido para 4.43pts. Aqui o lutz ficou com o valor base de 5.90pts apesar do erro. 
O segundo problema teve a ver com a aplicação do grau de execução. Tendo em conta o símbolo "!", apenas os juízes Lolita Labunskaiya (Rússia) e Miwako Ando (Japão) marcaram -1 no grau de execução. O juiz Doug Williams (Estados Unidos) marcou +2 no grau de execução em total desacordo com as recomendações da ISU. Outros dois juízes marcaram +1 e os restantes não se comprometeram e marcaram 0. 
Sem o erro do painel técnico e com a correcta aplicação das recomendações da ISU no apuramento do grau de execução, a diferença de pontos ficava a favor de Bradie Tennell no curto.

Para a combinação de saltos Evgenia optou por triplo flip+triplo toe loop. Acontece que a terceira rotação do toe loop não foi concluída. Conforme podem ver no print screen, a serrilha da lâmina do pé de apoio chegou ao gelo antes da última rotação ter sido concluída.



No entanto, o painel técnico não marcou o triplo toe loop com o símbolo "<" que indica a falta de pelo menos 1/4 de volta na última rotação. A ISU recomenda a aplicação de grau de execução negativo nos casos em que falta cerca de 1/4 de volta. Como o painel técnico não marcou nenhum símbolo, os juízes foram induzidos a aplicar grau de execução positivo à combinação. Aqui a culpa foi do painel técnico por não ter dado a indicação correcta aos juízes.

O duplo axel foi o terceiro elemento de salto do esquema e foi o único que realmente foi punido com grau de execução negativo. É que Evgenia não esteve bem na recepção do salto.

Os piões que ela efectuou foram os seguintes: camel, em baixo com entrada saltada e combinação com mudança de pé. Todos os piões cumpriram os requisitos exigidos para o nível 4. 

A sequência de passos foi classificada com o nível 3 e rendeu-lhe 4.42pts.

Uma das coisas que me chamou a atenção pela negativa em todos os elementos de saltos foi o modo de preparação muito mais prolongado do que é habitual ver nesta patinadora. Ela normalmente é exímia a conseguir fazer os saltos, mesmos os mais difíceis, quase sem preparação nenhuma. Talvez a explicação para esse facto esteja relacionada com duas coisas: ter ficado muito tempo sem saltar durante a fase de recuperação da lesão que a atormentou na temporada anterior ou então está a reformular a técnica de todos os saltos. Se ela estiver realmente a reformular a técnica toda, tenho medo que isso não seja boa ideia. Por mais determinada que Evgenia seja, há um exemplo bem doloroso na história recente da patinagem - Mao Asada. Quando Mao Asada mudou de treinadores para reformular a técnica simplesmente nunca mais foi a mesma. Isso acabou por lhe provocar lesões que a levaram a terminar a carreira competitiva mais cedo do que o previsto. Quanto a Evgenia, os únicos saltos que precisavam de ser aprimorados eram o axel (mais altura durante o voo) e o lutz (mais controlo na definição de entrada). Só que agora em vez de conseguir pelo menos marcar a aresta do lutz ela simplesmente trocou-se toda. 

Outra grande diferença entre os programas de agora e os das temporadas anteriores é que muitas das transições que a caracterizavam desapareceram. Isso é prejudicial para ela na nota dos componentes. No seu programa curto nesta competição Evgenia ficou com médias de 8.60 na perícia, 8.30 nas transições, 8.35 na performance, 8.75 na composição e 8.75 na interpretação da música. 

Quanto à interpretação da música, Evgenia é uma artista versátil e dominou o tema do programa curto com facilidade. 

Vídeo do programa livre de Evgenia

No programa livre Evgenia assegurou uma nota de 133.91pts. 


Nos testes organizados pela federação russa que decorreram este mês, a minha primeira impressão foi de que há alguns momentos de vazio durante o programa livre e que faltam transições. Para já não há grandes diferenças em termos de estrutura do programa entre o que a patinadora fez nos testes e o que apresentou nesta competição em solo canadiano. 

O plano de saltos foi o seguintes: triplo lutz, duplo axel, combinação de triplo flip+duplo toe loop+duplo toe loop, duplo axel, combinação de triplo flip+triplo toe loop, combinação de triplo salchow+triplo toe loop e triplo loop. As combinações de flip+toe loop e salchow+toe loop bem como o loop foram os elementos marcados para obter pontuação bónus no valor base devido à sua execução na segunda metade do esquema. 

O lutz foi marcado com o símbolo "!", tal como aconteceu no programa curto, mas mesmo assim conseguiu grau de execução positivo graças à conjugação de factores como a extensão do salto, a posição do corpo durante a rotação e a recepção. 

A entrada para o primeiro duplo axel do esquema foi muito boa. Evgenia realizou um desenho de curva no gelo, enquanto deslizava apenas num pé, num bonito momento de demonstração de domínio na variação de arestas. O duplo axel foi efectuado logo de seguida com boa altura e excelente recepção a partir da qual ela colocou com facilidade um movimento de transição. 

A combinação de triplo flip+duplo toe loop+duplo toe loop foi boa mas o tempo de preparação de entrada foi muito longo. 

No que diz respeito ao segundo duplo axel do esquema há que salientar que o programa teve uma fase de "vazio" entre a sequência coreográfica e a realização deste salto. A sequência coreográfica terminou próxima da tabela e depois simplesmente não há nada. Nem sequer um movimento artístico. Simplesmente a preparação para o axel. A recepção do salto acabou por não ser boa. Em consequência foram retirados 0.86pts do valor base de 3.30pts devido à aplicação de grau de execução negativo. 

Para a combinação de triplo flip+triplo toe loop, a preparação voltou a ser longa mas a execução foi boa e ela manteve o ritmo entre os dois saltos como as regras exigem.

A combinação de triplo salchow+triplo toe loop correu bem apesar de se repetir o mesmo quanto à preparação. Pelo menos aqui, ela colocou uma pequena volta antes de avançar para o triplo salchow por forma a dificultar a entrada e valorizar a combinação. É que os movimentos de dificuldade e/ou originalidade antes dos saltos são bons para a avaliação em sede de grau de execução.

O último salto do esquema foi o triplo loop. Este elemento teve vários problemas: o eixo de rotação da patinadora porque estava torto no ar, a terceira volta não foi efectivamente cumprida e ela caiu na recepção. O triplo loop levou com -5 por parte de todos os juízes no grau de execução. Claro que a queda implicou ainda a aplicação de uma dedução automática de um ponto. 

Quanto aos piões, Evgenia cometeu um erro que eu nunca a tinha visto fazer. No pião camel de combinação com entrada saltada e mudança de pé, ela falhou o número de rotações exigidas para a primeira posição. As variações de posição não foram exactamente bem feitas e fizeram com que o pião fosse descentrado. Para estes casos deverá ser aplicado grau de execução negativo entre -1 e -3. No entanto, os juízes Emilie Billow da Suécia e Andreas Waldeck da Alemanha apenas marcaram 0. Inexplicavelmente o juiz Jerome Poulin do Canadá marcou +1 no grau de execução. Os erros também influenciaram a atribuição do valor base pois o pião acabou por só servir para o nível 1. 
O pião camel com entrada saltada foi de nível 4 bem como o pião de combinação com mudança de pé.

A sequência de passos foi de nível 3 mas em termos de execução não foi além de +2 e +3 nos graus de execução. Faltaram algumas coisas para poder cumprir os critérios para +4 e +5 como, por exemplo, mais mudanças de arestas.

Na segunda nota, as médias apuradas nos segmentos dos componentes foram de 8.80 na perícia, 8.50 nas transições, 8.50 na performance, 8.70 na composição e 8.80 na interpretação da música. 

Em termos artísticos este programa soube a pouco. A sensação com que fiquei foi de que Evgenia estava demasiado focada nos elementos e não transmitiu sentimento durante a sua prestação. Houve algumas excepções como os momentos iniciais do programa e a sequência de passos. 
A escolha de um tango para tema do programa de momento não está a resultar. Eu penso que o coreógrafo tenha querido criar um programa para uma interpretação subtil mas até agora isso ainda não se viu. Faltou expressão, faltaram aqueles pequenos gestos que fazem a diferença, faltou atitude… Citando Maria Butyrskaya, campeã mundial em 1999, faltou luz a Evgenia nesta competição.



Evgenia Medvedeva é uma das melhores patinadoras do mundo e já todos pudemos testemunhar o seu brilhantismo. Por isso é que ficou uma sensação geral de decepção. 

No entanto
é preciso dar-lhe tempo para se adaptar a novos métodos de treino, a novos coreógrafos e à sua nova casa. 
Se Evgenia não fosse russa talvez todos tivéssemos mais tranquilos porque ela teria menos competição interna e por isso iria conseguir manter o seu lugar na selecção nacional sem problemas. Por exemplo, a italiana Carolina Kostner teve tempo para fazer mudanças e manteve a confiança da federação porque praticamente não tem competição interna. Evgenia tem muito mais pressão em cima dos ombros. Tal como acontece no Japão, a Rússia tem imensas patinadoras de qualidade para tão poucos lugares nas competições principais da temporada. Aqui há uns tempos a federação russa não teve contemplações com Adelina Sotnikova mesmo tendo ela o estatuto de campeã olímpica em 2014. O mesmo se passou com a estrela Julia Lipnitskaya.

Evgenia é conhecida pela sua determinação e enorme capacidade de trabalho. Talvez esta seja apenas uma fase menos boa e ela dê a volta por cima com estrondo. Não tenho dúvidas de que ela irá trabalhar muito duro para conseguir apresentar-se no circuito do grande prémio num estado de forma bem melhor do que apresentou aqui. Espero também que sejam acrescentados alguns pormenores aos dois esquemas com o avançar da temporada. 

E vocês? O que acharam dos programas e da prestação de Evgenia no Autumn Classic International? 

Por agora é tudo mas fiquem atentos pois brevemente vou publicar mais coisas no blogue.






Sem comentários:

Enviar um comentário