quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Tradução de entrevista de Julia Lipnitskaya


Julia Lipnitskaya

Julia Lipnitskaya começou a dar nas vistas no escalão júnior onde chegou a conquistar o título mundial. A pequena russa conquistou imediatamente o coração de milhares de fãs em todo o mundo. Nem aqueles que conhecem pouco sobre a patinagem artística ficaram indiferentes às capacidades de Julia. Quando ascendeu ao escalão sénior, Julia impôs-se imediatamente, tendo alcançado resultados muito importantes como a medalha de ouro olímpica por equipas nos Jogos que decorreram em Sochi, o título europeu em 2014 e a medalha de prata nos mundiais do mesmo ano. Esperavam-se muitos mais feitos por parte de Julia mas as coisas começaram a não correr bem e ela foi ficando de fora da selecção russa para as competições mais importantes. Um grande sinal de alerta ocorreu quando Julia decidiu abandonar o grupo de Eteri Tutberidze que era a sua treinadora de longa data. Na altura não faltaram rumores sobre o porquê dessa separação ter ocorrido. Falou-se que Julia não gostava de dividir a atenção da sua treinadora com a jovem em ascensão Evgenia Medvedeva. Foi dito que Julia sentiu que Tutberidze preferia focar mais a sua atenção em Medvedeva. Também se falou da hipótese da ruptura ter sido provocada pelo plano alimentar que Tutberidze obrigava Julia a cumprir. Talvez tudo isso afinal seja verdade ou talvez seja tudo mentira. Os rumores sobre o facto de Julia sofrer de anorexia desde que estava no grupo de Tutberidze é que parecem ser todos verdadeiros. A própria Julia acabou por confirmar isso nesta entrevista concedida à jornalista russa Olga Ermolina.

Desde a Primavera que havia muita expectativa sobre se Julia iria patinar nos testes da federação russa que foram marcados para o início de Setembro. Entretanto, Julia anunciou a sua retirada da patinagem artística. Essa notícia deixou muitos fãs entristecidos mas temos de compreender que a saúde desta jovem está em primeiro lugar. Resta-nos desejar que tudo corra bem a Julia no futuro e desfrutar dos vídeos dos programas magníficos com que ela nos brindou na sua curta mas intensa carreira.

Nesta entrevista, Julia não se esquivou de falar sobre um assunto pessoal incómodo pois houve um homem que foi entrevistado por vários órgãos de comunicação social na Rússia e que afirmou ser o pai de Julia. Esse assunto fez correr muita tinta mas Julia fez agora questão de denunciá-lo publicamente como um impostor.

O link original da entrevista pode ser visto aqui: http://www.fsrussia.ru/intervyu/3126-yuliya-lipnitskaya-stranitsa-perevernuta-u-menya-novaya-zhizn-i-novye-plany.html

 

Tradução de entrevista

Jornalista – Julia, quão bem ponderada foi a tua decisão de te retirares?

Julia – Desta vez foi a 100%. Eu não passei um mês ou dois ou três a pensar sobre isso, eu demorei algum tempo, levando em consideração todos os prós e contras. Durante o Inverno, quando eu fui para o hospital, e estive lá algum tempo, foi o suficiente para reconsiderar. Foi muito difícil decidir afastar-me. A sério, todos os dias eu ia dormir e acordava com um pensamento: e agora? Quando eu estive lá trabalhámos muito com psiquiatras, e eles têm uns muito bons, eles ajudaram-me a estabelecer correctamente as prioridades para a minha vida. Eu tive de pensar sobre muitas coisas porque eu estava segura de que eu iria recuperar e voltar a patinar. Eu estava segura. Todos estávamos – a minha mãe, o treinador… Nas minhas primeiras semanas no hospital em Israel, o meu telefone foi roubado e a comunicação com o mundo exterior foi cortada. Foi completamente ao acaso mas como resultado eu fiquei algum tempo offline. Só agora é que compreendo o motivo. Eu pude realmente pensar sobre o que se estava a passar na minha vida. Isso foi de uma enorme importância. Sim, eu poderia simplesmente ter comprado outro telefone, mas eu decidi que se isso aconteceu então foi por uma razão. Então eu estava noutro país, onde toda a gente fala uma língua estrangeira que nem sequer é inglês, sem conexão com o mundo exterior. Eu só me lembrava do número de telefone da minha mãe. Eu acabei por comprar um telefone barato para poder telefonar à minha mãe e aos meus parentes. E foi isto. Então o que é que eu podia fazer lá senão curar-me e pensar no que faria de seguida.

Jornalista – Qual foi a coisa mais assustadora?

Julia – O desconhecido. Compreender o que vem a seguir. Eu sair do hospital e depois o quê? Especialmente quando eu comecei a perceber que estava 99,9% acabada para a patinagem. Eu estava em pânico com o desconhecido. Foi um pesadelo. Quando eu regressei a casa, eu passei a primeira semana a pensar ‘e agora’? O que é que eu devo fazer agora? O desconhecido é uma coisa terrível. Em falei com a minha mãe e ela compreendeu-me. Nós decidimos que é uma nova vida. Então eu tive de ir à Federação Russa de Patinagem Artística assinar a minha retirada, explicar o que aconteceu e foi o que eu fiz. Eu fiz um acordo com a federação para que todos nós esperássemos até Setembro e que durante os testes anunciaríamos a minha retirada. Foi isto. Então eu gostaria de agradecer a todas as pessoas que me apoiaram e aos fãs por esperarem.

Jornalista – A Federação Russa de Patinagem Artística pediu-te para repensares porque és uma patinadora de topo e não podes ser dispensada facilmente?

Julia – Claro, em Abril perguntaram-me se era uma decisão espontânea e emocional. Mas tu não podes pensar por tanto tempo e acabar com uma decisão emocional. Então sim, foi-me dado tempo para pensar até aos testes. Mas eu já tinha decidido.

Jornalista – Achas que alcançaste tudo o que podias no desporto?

Julia – Claro que não. Havia muitas coisas que eu queria alcançar e fazer, melhorar. Mas as coisas são o que são. Depois dos jogos de Sochi eu queria experimentar a dança no gelo. Eu pensei nisso durante alguns anos mas havia tanta gente contra que essa ideia foi deixada.

Jornalista – O que é que te impediu de alcançar tudo o que querias?

Julia – 99% foram as lesões. O resto foi resultado disso. Depois de eu ter tido um diagnóstico, eu recebi muitas questões sobre o porquê de tê-lo feito. Mas se eu não tivesse anunciado a decisão por mim própria, a informação acabaria por saber-se à mesma. A anorexia é a doença do século XXI. Não é uma raridade. Infelizmente nem todas conseguem ultrapassá-la. Eu decidi que não seria nada de mais se eu a revelasse. A única coisa de que eu me arrependo é de não ter falado sobre isso mais cedo. Isto prolongou-se não por um ano ou dois ou três. Depois da Taça da Rússia, eu fui para casa, coloquei os patins no roupeiro e não os voltei a ver desde então. Eu fui hospitalizada em Janeiro. Esta é a história toda.

Jornalista – Depois dos Jogos Olímpicos de Sochi foste atingida pela fama – isso foi uma coisa que te deu motivação para continuar ou foi um fardo que tiveste de carregar?

Julia – Foi desgastante. Eu não tinha força para mais nada, foi muito duro. Eu não sou uma “pessoa pública”. Nunca fui. Sou uma introvertida desde a minha infância. Eu tinha de fazer um esforço enorme para falar com alguém que não me fosse familiar. Agora é mais fácil comunicar, eu tornei-me mais aberta. Mas eu desenvolvi algumas habilidades, hábitos e estereótipos e eu sigo-os. Eu não acho que tenha de estar em todos os jornais, todos os programas de televisão para onde sou convidada. Eu não gosto disso e provavelmente nunca gostarei. Eu prefiro ir directa ao assunto e simplesmente dizer o que precisa ser dito; especialmente depois do meu prolongado silêncio houve muitas especulações, de repente apareceram tantas pessoas que foram entrevistadas, incluindo pessoas que eu nem sequer conheço. Inicialmente até era engraçado mas depois tornou-se insano. Houve tantos factos falsos que eu gostaria de explicar. O motivo principal foi um programa no Canal 1 em que tudo foi falso. Quando eu perguntei aos editores “como é que isto foi exibido”, foi-me respondido “mas tu nunca disseste pessoalmente que era uma mentira, então podia ser verdade”, portanto parece que agora tenho de dizê-lo.

Jornalista – OK, então começa a falar.

Julia – Vamos começar pelo programa de televisão depois do qual a minha mãe ficou com cabelos brancos, eu provavelmente também ganhei alguns cabelos brancos, mas os produtores de tv conseguiram as suas audiências. Eles falaram com uma pessoa chamada Zanozin. Essa pessoa disse que eu fui aceite na Universidade de Moscovo e isso é uma certeza. Eu estava somente a planear frequentar a Universidade e será óptimo se resultar. Eu só planeio candidatar-me e fazer os exames dentro de um ano. Eu gostaria de tornar-me numa manager desportiva. É interessante e estaria relacionado com a minha vida antiga. Em segundo lugar, há uma pessoa que vai de programa de tv em programa de tv e ousa dizer que é meu pai. Uma pergunta: como é que os editores permitem uma coisa destas? Esta pessoa é falsa. Mesmo que ele tenha o mesmo sobrenome não tirem conclusões precipitadas. Essa pessoa não me é nada. O que ele disse sobre mim – eu quis silenciá-lo fisicamente. É impossível de ouvir!  Quanto ao meu verdadeiro pai, eu sei muito bem quem é ele e onde vive. Portanto deixa-me dar um aviso: se esses casos continuarem e os meus “pais” ou “familiares” forem a programas de televisão com vontade de obter alguma fama às minhas custas, nós vamos encontrar-nos em tribunal. Um dos jornais publicou um artigo. Enquanto eu estava a lê-lo, eu pensei que era uma piada. As únicas coisas verdadeiras eram os nomes Julia e Lipnitskaya. Só isso. Eles inventaram um jovem que supostamente teria influenciado a minha decisão de retirar-me? Foram apresentadas algumas declarações de alguns familiares que preferiram manter-se anónimos. Eu não tenho familiares ou amigos que pudessem fazer uma coisa dessas. Todo o artigo é uma fantasia do jornalista. Ó autor, nota alta pela história!

Jornalista – É óptimo que consigas manter o sentido de humor nessa situação. O que é que sonhas agora?

Julia – Sonhar? Eu gostaria de encontrar algo que eu pudesse fazer para o resto da minha vida. Agora estou numa encruzilhada porque tenho muitas ofertas, opções e projectos. Mas eu não vou e não quero ir para um lugar e simplesmente ficar lá como “Julia Lipnitskaya”. Eu quero participar, eu quero fazer alguma coisa interessante e isso não acontecerá sem educação. Então isso é a primeira coisa na minha lista. Eu estudo inglês com um tutor. Num futuro próximo, eu ficarei completamente focada nos meus estudos e depois logo se vê. Simultaneamente, é claro que eu experimentarei algumas coisas novas e tentarei encontrar o meu caminho. Eu tenho sido questionada sobre se participarei em espectáculos. De momento eu não posso e não quero apesar de haver propostas. Talvez com o tempo as coisas mudem e eu possa querer regressar ao gelo. Vamos ver. Uma coisa é certa: eu não serei treinadora. Tornar-me numa profissional do desporto é uma coisa diferente. Mas eu preciso de estudar. Uma passatempo é um passatempo mas uma profissão precisa de educação.

Jornalista – Tu viraste a página e todos os teus sonhos e planos são para o futuro?

Julia – Sim, eu tenho uma nova vida e novos planos. O desporto deixou-me o hábito de ser organizada, de ter um horário rigoroso. Quando eu tenho tempo livre, e agora tenho muito mais, começo a pensar “como é que eu posso preenche-lo?”, eu tenho um planeamento para não ficar ociosamente sentada. Quando o dia está todo preenchido, eu sinto-me óptima e tento fazer tudo. Eu passo os meus dias livre na casa de campo. Toda a gente sabe que eu sempre adorei cavalos. Agora eu tenho um. Em Moscovo. Não muito longe da casa de campo há um estábulo privado e eu posso fazer desporto aí, montar a cavalo por 30-40Km. É um dos meus hábitos favoritos e eu não me importo de gastar tanto tempo com isso porque eu adoro fazê-lo. O nome do cavalo é Dakota. É alto, giro e calmo. Um sonho.

Jornalista – Isso é óptimo! Há mais alguma coisa que gostasses de acrescentar?

Julia – Eu gostaria de agradecer à federação e a todos os que me ajudaram e apoiaram. Um agradecimento especial ao agora meu ex-treinador Alexey Urmanov, que durante o nosso tempo juntos trabalhou muito duro e reagiu imediatamente a todos os problemas e resolveu-os com rapidez. Eu estive confortável a trabalhar em Sochi embora a vida lá seja tão diferente. A equipa em Sochi é óptima, todos são muito encorajadores. Teria ficado muito feliz se tivéssemos alcançado alguns resultados com aquela equipa e tenha muita pena que isso não tenha acontecido. Mas mais uma vez, foi excelente trabalhar com pessoas assim. Eu gostaria de agradecer aos fãs pelo seu amor, fé, compreensão e paciência. Esta foi a forma como as coisas tiveram de ser feitas. Para mim e não só. Agora eu recebo tantas mensagens. Eu às vezes tento responder porque algumas pessoas escrevem do fundo do seu coração e quando eu leio essas mensagens eu não consigo evitar as lágrimas mas na maior parte das vezes elas fazem-me sorrir. É muito bom saber que as pessoas gostam tanto de mim. Eu também gostaria de agradecer àqueles que me espicaçaram e até aos “haters” pois, algumas vezes, eles fizeram-me pensar e seguir em frente. Simplesmente agradecer a toda a gente!

Jornalista – Obrigado Julia.

Este foi o lindíssimo programa curto que Julia patinou na Taça Rostelecom 2016

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